Aprobado: 27/12/2023
Este artículo ha sido aprobado por
la editora, Dra. Susana Graciela Pérez Barrera
Ana Furlong Antochevis[1]
Carlos Roberto da Silva Machado[2]
Resumo
Este artigo apresenta
considerações críticas sobre a assunção
de formas de gestão universitária
alinhadas às premissas neoliberais, no
contexto das Universidades federais brasileiras. Os processos de implantação (no
período colonial), expansão (nos anos 1920 enquanto faculdades e depois Universidades nos anos 1930) e recuperação
universitária (nos anos 2000) têm
sido impactados pelo desenvolvimento político, social
e econômico do País, marcando profundamente os
sentidos e propósitos do Ensino Superior. Amparados na concepção de que o contexto universitário brasileiro tem sofrido o impacto do modelo de desenvolvimento
nacional a partir do capitalismo dependente, consideramos também a base de constituição de classes sociais no Brasil e
abordamos de que forma o acesso
à Universidade influencia a conformação
social nestes termos. Desta
forma, apresentamos considerações
a respeito da transformação
do sentido de existências das Universidades - de
social a tecnocrático -, refletindo sobre o impacto
da absorção, pelas gestões universitárias, das prerrogativas de gestão
neoliberal, a partir da apresentação de exemplos sobre essa questão em relação a políticas
relacionadas ao cotidiano das Universidades, buscando
contemplar políticas de planejamento e execução de nível tanto nacional
como local. Para essa nossa
análise foi utilizado o
método de Revisão Narrativa. Concluímos
criticamente, nesse
sentido, sobre como a gestão universitária,
através da assunção de
prerrogativas neoliberais, tem
sido palco de avanços do seu
controle hegemônico pelos setores
dominantes da elite brasileira, fenômeno que insta
para a urgência da ampliação
e aprofundamento de estudos
e debates sobre o tema.
Palavras-chave: Universidade;
crise institucional; gestão
neoliberal.
Abstract
This article presents critical considerations on the assumption of forms of university management aligned with neoliberal premises, in the context of Brazilian federal universities. The processes of implementation (in the colonial period), expansion (in the 1920s as colleges and then Universities in the 1930s) and university recovery (in the 2000s) have been impacted by the country's political, social and economic development, deeply marking the meanings and purposes of Higher Education. Supported by the conception that the Brazilian university context has suffered the impact of the national development model based on dependent capitalism, we also consider the basis for the constitution of social classes in Brazil and address how access to the University influences social conformation in these terms. In this way, we present considerations regarding the transformation of the meaning of existence of Universities - from social to technocratic -, reflecting on the impact of the absorption, by university management, of neoliberal management prerogatives, based on the presentation of examples on this issue in relation to to policies related to the daily life of Universities, seeking to include planning and execution policies at both national and local levels. For our analysis, the Narrative Review method was used. We conclude critically, in this sense, on how university management, through the assumption of neoliberal prerogatives, has been the stage for advances in its hegemonic control by the dominant sectors of the Brazilian elite, a phenomenon that urges the urgency of expanding and deepening studies and debates on the theme.
Keywords: University; institutional crisis; neoliberal management.
Resumen
Este artículo presenta consideraciones críticas
sobre la asunción de formas de gestión universitaria alineadas a las premisas
neoliberales, en el contexto de las Universidades federales brasileñas. Los
procesos de implantación (en el período colonial), expansión (en los años 1920
como facultades y después Universidades en los años 1930) y recuperación
universitaria (en los años 2000) han sido impactados por el desarrollo
político, social y económico del País, marcando profundamente los sentidos y
propósitos de la Enseñanza Superior. Amparados en la concepción de que el
contexto universitario brasileño ha sufrido el impacto del modelo de desarrollo
nacional a partir del capitalismo dependiente, consideramos también la base de
constitución de clases sociales en Brasil y abordamos de qué forma el acceso a
la Universidad influencia la conformación social en estos términos. De esta
forma, presentamos consideraciones acerca de la transformación del sentido de
existencias de las Universidades - de social a tecnocrático -, reflexionando
sobre el impacto de la absorción, por las gestiones universitarias, de las
prerrogativas de gestión neoliberal, a partir de la presentación de ejemplos
sobre esa cuestión en relación a políticas relacionadas al cotidiano de las
Universidades, buscando contemplar políticas de planificación y ejecución de
nivel tanto nacional como local. Para ese análisis nuestro se utilizó el método
de Revisión Narrativa. Concluimos críticamente, en ese sentido, sobre cómo la
gestión universitaria, a través de la asunción de prerrogativas neoliberales,
ha sido escenario de avances de su control hegemónico por los sectores
dominantes de la élite brasileña, fenómeno que insta a la urgencia de la
ampliación y profundización de estudios y debates sobre el tema.
Palabras clave: Universidad; crisis
institucional; gestión neoliberal.
Introdução
A universidade
pública, no Brasil, é uma instituição
que tem pasado por alterações
em suas formas de funcionamento
ao longo dos anos,
especialmente em relação ao
seu sentido social – o que provoca mudanças tanto nas suas rotinas e procedimentos internos, em diferentes níveis
e dimensões relacionas. Entretanto, a forma como as
universidades federais estabelecem
suas políticas nacionais ou locais não
apenas representa a racionalidade do período
histórico em que estão se desenvolvendo,
mas pode ser uma forma
tanto de reforçar uma racionalidade como também de
contestar essa racionalidade,
a partir de qual seja seu sentido enquanto instituição social.
Essa análise
pode ser identificada quando entendemos que, enquanto instituição clássica de origens europeias, a universidade teve início no Brasil reproduzindo e aprofundando, por exemplo, a
lógica patrimonialista em relação à composição do corpo de trabalhadores, e uma lógica
elitista em relação ao acesso de estudantes. Em relação ao corpo
funcional, ainda que de 1930 a 1945 tenha ocorrido um grande movimento para definir
o acesso a cargos federais através de concursos públicos, o período seguinte, especialmente na ditadura empresarial-militar, foi
de rechaço a essa
perspectiva, com a retomada de contratações
por indicações - funcionamento
que só foi interrompido após 1988, com a instituição da exigência de
concursos públicos (Maia, 2021).
Em relação ao acesso de estudantes, essa reflexão fica evidenciada pelo Censo do Ensino Superior de 2021, que demonstra o caráter elitista e restrito de acesso até os anos 1990 - período no qual não chega a 10% o número de jovens que ingressavam na Universidade - e mesmo nos governos progressistas, nos quais esse índice não chega a 20% (Censo da Educação Superior 2021: notas estatísticas, 2022). A lógica elitista em relação ao acesso de estudantes é evidenciada na medida em que se confronta a realidade de que dedicar-se aos estudos universitarios é uma tarefa que demanda tempo e condições financeiras para acesso a materialidade dos elementos necessários ao proceso educativo, desde os custos de deslocamento e alimentação até os custos de aquisição de livros e mateiriais didáticos.
A partir dessas
compreensões, podemos inferir que a Universidade possui um sentido social de existência,
que tem se transformado ao
longo dos anos, em associação
com as transformações ocorridas no amplo da sociedade. Portanto, nosso objetivo nesse artigo é apresentar uma compreensão de como, na atualidade,
a Universidade brasileira está em um
momento de crise de sentido. Essa
crise é complexa e decorrente
de processos históricos que afetam
e constituem a forma como as
políticas e o cotidiano das Universidades se materializam
mas ainda assim, o elemento central desta crise, o capitalismo e a lógica neoliberal que o sustenta na atualidade, seguem sendo estruturantes
nas formas como diversas políticas (em diferentes níveis institucionais) tem sido implantadas e desenvolvidas
nas IFES.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento dessa reflexão foi a Revisão Narrativa, modalidade de revisão bibliográfica que alinha-se mais à fundamentação de uma discussão qualificada sobre o tema proposto, do que à produção quantitativa de informações sobre a produção científica na área abordada (Rother, 2007). Para tanto apresentamos a concepção de capitalismo dependente a partir da formulação de Florestán Fernandes como a forma de desenvolvimento político e econômico que ocorre no Brasil, e de que forma essa concepção afeta o desenvolvimento do papel das Universidades no desenvolvimento nacional. Com isto, apresentaremos o percurso histórico da implantação das prerrogativas liberais e neoliberais no Ensino Superior, e analisaremos três produções acadêmicas atuais (duas teses e uma dissertação) que demonstram como o debate proposto tem se materializado no cotidiano das Universidades brasieiras.
Através dessa análise crítica pretedemos provocar uma necessária reflexão, no amplo da sociedade, mas especialmente das gestões universitárias, a respeito dos impactos da assunção da racionalidade neoliberal que tem ocorrido, de maneira mais ou menos explícita, no desenvolver do cotidiano e dos rumos das Universidades federais brasileiras. Ainda que não haja uma assunção declarada da racionalidade neoliberal na gestão universitária, evidenciamos como esta forma de compreender o funcionamento institucional tem sido estruturante no desenvolvimento de importantes políticas relacionadas à vida universitária. Assim, utilizando as formas narrativas e operacionais que utilizam-se de lógicas meritocráticas, tecnocráticas, não-democráticas e alinhadas mais aos intereses empresariais do que aos intereses populares, mesmo que não declarem a assunção da racionalidade neoliberal, as gestões universitárias garantem a sua implantação sem debate com o amplo da comunidade acadêmica, silenciando sobre a adoção de uma nova missão institucional, cada vez mais afastada do interesse popular e democrático.
A universidade brasileira em crise - entre o desenvolvimento nacional e a racionalidade neoliberal
A universidade, enquanto
instituição, é formada em relação
dialética com as transformações sociais. Sendo assim, uma análise
crítica de sua dinámica demanda a sua
contextualização social e histórica, especialmente em
relação às perspectivas de desenvolvimento social, político e
económico da sociedade na qual se constitui.
No caso das universidades brasileiras, o contexto económico e
social em que estas instituições se desenvolvem é o do capitalismo. Entretanto, ainda que suas bases tenham sido fundamentadas por Karl Marx, o funcionamento desse sistema
económico e social tem se transformado ao longo dos anos, e tais transformações tem sido estudadas por campos marxistas
de correntes que dão atenção a distintas particularidades da complexidade
desse tema.
Nesse sentido, cabe
atentar que a dimensão global do capitalismo como
sistema hegemónico é um fator fundamental para a sua manutenção, na medida em que tal sistema sustenta-se a partir de processos de exploração que só podem ser efetivados
através da garantía de que haja
desigualdades entre o desenvolvimento económico e
político das nações nas quais se localizam os
capitalistas operadores da exploração, e aquele das nações nas quais se localizam
os recursos e relações humanas e com
a natureza a serem explorados.
Para essa análise,
recorremos à compreensão formulada por Florestan Fernandes acerca do desenvolvimento brasileiro no contexto do “capitalismo
dependente” (Fernandes, 1975a). Para este autor, o
Brasil possui um histórico
de desenvolvimento político, econômico
e estatal que tem servido de base para a exploração do capital internacional. Esse
fenômeno ocorre na medida em que as clases burguesas brasileiras, ao invés de identificarem-se
com um sentimento
e um compromisso de desenvolvimento nacional com foco
na redução das
desigualdades sociais, identifica-se com os representantes da burguesía internacional - e seu foco, a partir daí, passa a ser a exploração da clase
trabalhadora brasileira de forma a garantir a manutenção do status
de poder global hegemónico aos detentores e aos operadores do capital internacional.
Tal dinámica informa sobre um “subdesenvolvimento” no Brasil, que não
é apenas resultado de desigualdades sociais, mas que é fruto de um planejamento estratégico para a sua
manutenção como um País produtor de commodities, sem o incentivo ao desenvolvimento industrial e
tecnológico, que fica designado aos países reconhecidos como “desenvolvidos”.
Esse processo,
segundo Fernandes (1975a, p.49), ocorre
através da garantía de que hajam
diferentes estágios de desenvolvimento
económico no mundo, e de que essa diferenciação
seja coordenada de forma a fornecer mão-de-obra extrativista
de baixo custo e, assim, insumos baratos para envio
à outras nações de industrialização desenvolvida. Além disso, há
a necessidade de manutenção,
nos países explorados dentro da lógica do capitalismo dependente, de uma diferenciação no nível de desenvolvimento dos próprios setores econômicos internos. Nesse caso,
o desenvolvimento da economía nacional oscila, à
partir de movimentos econômicos
que atendem às necesidades
de exploração pautadas pelos países dominantes. Assim, ainda que hajam procesos de modernização na indústria e na economía, o ritmo de seu desenvolvimento – e eventuais interrupções nesse proceso – serão determinados pelo interesse
internacionalista.
Para que tal processo se sustente é necessário, para Fernandes (1975,
p.58), que a classe burguesa atue
políticamente no sentido de proteger a manutenção de setores arcaicos da economía (mais
associados aos processos mais agressivos de exploração do trabalho), e de produzir e
sustentar uma formação
cultural que opere ideológicamente na defesa da diferenciação e do distanciamento
entre as clases sociais. Nesse sentido, o regime de clases
no Brasil pode ser compreendido não
apenas como resultado da desigualdade produzida pelo histórico de exploração
colonialista, mas como uma
das características necessárias e sustentadas pelo
poder económico internacional para efetivar a exploração no modelo de capitalismo dependente.
Nesse contexto do
capitalismo dependente no Brasil, Fernandes faz também a análise do desenvolvimento da educação e,
particularmente, do Ensino Superior no País (Fernandes, 1975b). Para o autor, a Universidade
brasileira emerge de uma perspectiva de manutenção de distanciamento
entre clases sociais, e não
com a tarefa de ser espaço
de transformação social com
vistas ao combate à desigualdade.
Serão, desde o período colonial, importados modelos europeus de ensino superior baseados em relações de modelo hierárquico reacionário, tanto no
que diz respeito às relações interpessoais
entre os atores do ambiente universitário, bem como na constituição
da própria noção de quais saberes são valorizados e
considerados científicos ou não.
Essa dinámica produziu um sentido de existência e função social da Universidade
brasileira que tem menos a ver com
o desenvolvimento nacional, e mais
com o desenvolvimento pessoal dos representantes das clases burguesas que conseguem acessar e concluir os estudos universitários (Fernandes, 1975b, p. 103).
Essa conformação
atua na lógica do
capitalismo dependente, portando, no sentido de controlar o desenvolvimento
da produção de conhecimento,
e de controlar o direcionamento dessa
produção. Desta forma, ao mesmo tempo em que se atende às
necesidades de introdução de aspectos de modernização na economía nacional,
não se ultrapassam os limites de desenvolvimento que são definidos de acordo com os intereses do capital internacional.
Podemos compreender, portanto,
como no contexto do capitalismo dependente as Universidades apresentam-se
como instituições de imenso valor estratégico na constituição de um controle sobre
não apenas o tipo de conhecimento
que produz. Na lógica do
capitalismo dependente, as Universidades são espaços provilegiados nos quais a racionalidade que
sustenta a ideologia fundante do capitalismo, atualmente identificada como neoliberalismo, pode se
desenvolver, estruturar e determinar a forma como o conhecimento é produzido, como
ele é apresentado à sociedade
e em qual sentido social ele será utilizado.
Nesse caso, evidentemente, a produção
será pautada nas lógicas de produtivismo,
a apresentação será identificada de acordó com a lógica do empreendedorismo,
e o sentido social será o da meritocracia.
De acordo com Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo pode ser conceitualizado não apenas como uma doutrina econômica,
política ou mesmo como uma ideologia, mas como uma racionalidade. Assim, sua capacidade
de interferência na vida
cotidiana perpassa a a conformação de uma forma de compreensão e de ação sobre a vida e o mundo, que passa a ser
assumida como uma lógica viável por toda a sociedade. Para
os autores, na medida em que a racionalidade
neoliberal é um sistema normativo, capaz de ampliar a
lógica capitalista para além da esfera económica, atingindo e conformando as demais
dimensões de relações sociais que são atravessadas pela economía (Dardot
e Laval, 2016, p. 7).
O impacto da utilização dessa racionalidade na gestão pública pode ser percebido na análise
das trasformações ocorridas
nas Universidades brasileiras nas
últimas décadas. Se inicialmente a Universidade surge
no Brasil como forma de qualificar mão-de-obra no interesse da burguesia colonial, os
rumos de seu sentido institucional passaram por alterações que respondiam ao resultado de
disputas políticas pelo controle do poder estatal. Assim,
tendo como pano de fundo o
poder coercitivo da conformação do capitalismo
dependente, as transformações pelas quais tem passado
a Universidade brasileira são
mais relacionadas a quem eram os representantes da elite que determinava
seus rumos, do que exatamente
mudanças no seu rumo em si.
Por exemplo, ainda
que durante a ditadura empresarial-militar no Brasil tenha ocorrido uma ampliação quantitativa
das vagas universitárias, esse
aumento foi insignificante em relação
às necessidades materiais de desenvolvimento do
País, e atendia muito mais a um plano de desenvolvimento nacional tutelado pelas elites
estadunidenses financiadoras daquele período de truculência estatal. E se houve
aumento de vagas nesse período, houve
também acirramento dos
aspectos mais reacionários
e intransigentes em relação ao
panorama pedagógico do Ensino Superior, perspectiva alinhada ao ideário
conservador e positivista, que não possui compromisso com a criatividade, o diálogo e o
desenvolvimento de saberes pautados em parámetros
éticos de relações entre os seres humanos.
O período imediatamente posterior à redemocratização, ainda que tivesse a marca da vitória da
democracia, foi de intenso ataque, por parte do governo federal, à todas as dimensões de autonomía que as Universidades reivindicavam desde o periodo da ditadura
(Chauí, 1990). Não apenas
pelo fato de que as Universidades haviam sido um campo profícuo de formação de resistência e formulação de consciência
democrática, mas também porque fazia
parte do projeto neoliberal a privatização
do Ensino Superior no Brasil.
Assim, a década de 1990 foi cenário de um processo devastador de precarização do campo universitário
federal, tanto nas dimensões
de infraestrutura, como de pessoal,
de dinámicas de funcionamento internas (incapacidade de implantação de processos democráticos para escolha
de representantes, acirramentos das relações de violencia e assédio
moral) e de valor social. Nesse cenário,
a universidade deixa de ser
compreendida como uma “instituição” com comprimisso que remete à soberanía nacional e o fim das desiguadaldes sociais, para passar a ser compreendida como um “organização”, na qual operam os sentidos
funcionalistas associados às
demandas e formas de atuação do mercado (Chauí, 2003).
A implantação da gestão neoliberal e a crise de sentido das Universidades
Após o ingresso dos governos
progresistas, a partir de 2003, foram feitos importantes esforços no
sentido da reestruturação das dimensões
de infraestrutura e pessoal
através do REUNI (Decreto nº 6.096, 2007), bem como no
sentido da democratização do acesso
através da Lei de Cotas (Lei 12.711, 2012), e da garantia
de permanência qualificada aos estudantes oriundos de situações de vulnerabilidade
socioeconómica, com o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (Decreto nº 7.234, 2010). Contudo, tais medidas foram desenvolvidas lado a lado com uma política majoritária de financiamento
público de vagas em universidades particulares. Portanto,
ainda que à primeira vista estivessem sendo feitos vultuosos investimentos no Ensino
Superior público, a grande forma de acesso a este grau de instrução tem sido o Ensino Superior
privado – ainda que às custas de investimentos federais.
Este
cenário sobre o Ensino
Superior demonstra como a racionalidade
neoliberal está implantada na gestão
pública federal, não apenas no que diz respeito à questão do uso de verba pública para financiar vagas em instituições privadas, mas no sentido de que essa política está alinhada a uma concepção de Acesso ao Ensino
Superior como um divisor de clases, segundo Pochmann (2014). Na perspectiva desse autor, as clases brasileiras privilegiadas têm usado o acesso ao Ensino Superior público de uma forma mais usual do que as famílias de classes com menores recursos financeiros,
as quais acabam por serem levadas ao Ensino Superior privado na busca
de qualificação educacional. Essa
dinámica demonstra como o acesso
ao Ensino Superior ainda representa um recurso de mobilidade de classe social, de
tal forma que as famílias com
menor renda são aquelas que
arcam com maiores custos para garantir acesso e permanencia à educação de nível superior (Pochmann, 2014, p. 112).
Essa análise
condiz com a percepção de Leher (2019) a respeito do alinhamento da constituição de políticas educacionais
brasileiras aos interesses
de uma elite que pretende, a partir da diferenciação de acesso à educação formal (especialmente superior) entre os estratos populacionais, manter seus privilégios, o que é
materializado nas propostas
de difusão e conformação da
opinião pública de uma
lógica educacional que preconiza o ideário
mercadológico (Leher,
2019, p. 36). Assim, defende
o autor, a universidade se vê
diante de um conflito em relação aos rumos de seu desenvolvimento, na medida em que
seu objetivo final - a produção
de ciência e tecnologia - deixa de ser orientado para a melhoria
das condições de vida da população,
para ser orientado pelos interesses típicos da racionalidade neoliberal: lucrativos ou
belicosos, mas sempre desconectados de um compromisso ético com a preservação da vida e do meio ambiente (Leher, 2019, p.41)
As grandes mudanças institucionais que ocorreram nas universidades, segundo o autor, informam
sobre conflitos e disputas de campos antagônicos - sejam as revoluções burguesas do séc. XIX
em contraponto à hegemonia
do saber religioso, ou as modernas lutas de movimentos estudantis e sindicais pela autonomia universitária (Leher, 2019, p 46). Assim, é possível compreender a necessidade de se avaliar criticamente o avanço contínuo nas universidades de uma perspectiva de inovação
tecnológica descolada de um sentido de desenvolvimento social com vistas
à redução da desigualdade.
Nessa perspectiva, aponta o autor para o papel desempenhado na disputa pela implantação do Programa “Future-se”, em um proceso que se desenrolou a partir do golpe de 2016 contra Dilma Rouseff (Leher, 2021). Esse programa emerge de uma compreensão de que a Universidade pública brasileira representaría um risco aos governos conservadores que se implantavam, pois atuaria como um foco de formação de resistência política e de formação de consciencia cidadã. Em resposta a isso, a Universidade deveria constituir-se definitivamente como instrumento de manutenção da hegemonía burguesa, dentro da lógica do capitalismo dependente, operando como não mais uma instituição de função social, mas como uma organização subordinada aos intereses do capital internacional. O ataque à autonomía institucional, para Leher (2021), é um dos movimentos centrais nessa mudança, na medida em que garante a dependencia do funcionamento universitário às decisões administrativas e financeiras da gestão federal. Mas além disso, esse processo de destituição da autonomía universitária também passaria pela abertura ao acesso do financiamento privado aos setores de desenvolvimento de ciencia e tecnología.
A gestão institucional, nesse sentido, sofre graves implicações, tanto nos seus
aspectos de processos internos de garantía da
autonomía, como também no desafio
de sustentar-se, em um panorama de precarização das relações de trabalho e desfinanciamento
público das atividades de pesquisa e extensão, além dos cortes nas verbas de asistencia estudantil.
Todo esse quadro mostra como a racionalidade
neoliberal tem operado no sentido de ocupar espaços não apenas nos aspectos
económicos e políticos, mas também no desenvolvimento de uma lógica de funcionamento universitário que
dialoga cada vez mais com
as premissas da lógica do capitla,
tais como o empreendedorismo,
a meritocracia, a violencia nas relações
entre os atores da cena universitária e na relação da universidade
com a sociedade.
Assim, no contexto universitário brasileiro, a racionalidade
neoliberal tem sido observada em estudos
que analisam diferentes aspectos do planejamento e da gestão institucional
do Ensino Superior na atualidade. A sua implantação é um fenômeno que pode ser analisado a
partir de diferentes perspectivas, a partir dos níveis
em que essa lógica é inserida nos processos
e dinâmicas do cotidiano das Universidades. Além disso, essa
inserção pode ser mais ou menos explícita, mas é sempre amparada na proposição do uso de lógicas do modelo de desenvolvimento neoliberal, tais
como o empreendedorismo, a meritocracia, o produtivismo, a tecnocracia, etc.
Para demonstrar essa hipótese, selecionamos alguns exemplos sobre de que forma a racionalidade neoliberal, através
das lógicas descritas, tem sido implantada nas Universidades públicas brasileiras. Apresentaremos
então um estudo sobre o impacto desse movimento em três dimensões de planejamento e execução de políticas da Universidade
Federal. Em relação a políticas de planejamento e execução a nível nacional, apresentaremos um estudo que acompanhou
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o SINAES. Em relação a políticas de planejamento
nacional e execução a nível
local, apresentaremos um estudo que aprofunda aspectos de execução do Programa Nacional de Assistência
Estudantil - PNAES, e em relação a políticas de planejamento
e execução desenvolvidos em
nível local, apresentaremos
um estudo que realizou reflexão crítica sobre o
tema sustentabilidade nos processos
internos de uma Universidade
brasileira.
Iniciamos nossa análise
a partir de um estudo que analisa uma política que tem seu planejamento
e execução determinados partir do nível
federal. Pereira (2020) analisou o Sistema Nacional
de Avaliação do Ensino
Superior – SINAES. Esse
dispositivo foi desenvolvido
pelo Ministério da Educação,
e implantado em 2004, com o intuito de consolidar informações acerca do desempenho
das IFES em diversos ámbitos, tais
como desempenho académico dos universitarios, gestão de pessoas, infraestrutura, etc. Nesse
sentido, três principais
indicadores são utilizados pelo sistema, quais sejam, as avaliações de desempenho de
universitarios, dos cursos e das instituições de Ensino Superior (Ristoff
e Giolo, 2011).
Na sua
análise, Pereira (2020) identifica o avanço da racionalidade
neoliberal no contexto do sistema analisado a partir
da verificação de uma crescente utilização de
parámetros e diretrizes de avaliação
cada vez mais relacionados à noção
de “eficiencia”. Segundo o autor, a centralidade assumida por ese conceito, na gestão do SINAES,
demonstra como a perspectiva gerencialista assumiu a hegemonía na concepção dos elementos que determinam
como se dão e quais são os valores dos processos
burocráticos e administrativos que fazem o cotidiano
das universidades brasileiras.
Assim, a noção de uma “universidade
eficiente” passa a ocupar o ideario académico e popular, sem que se faça, contudo, qualquer debate acerca do que significa “eficiencia” no
contexto universitário – por exemplo,
não se debate se essa
eficiencia diz respeito à
economía de recursos (quais e por qual
motivo?), ou se diz respeito à celeridade nos processos (com ou sem algum
indcador de qualidade?),
etc. Sem o referido debate, o conceito
de eficiencia é alçado à categoría de deteminante de qualidade nos processos burocráticos, mas também
nos processos pedagógicos e interpessoais
de sua comunidade. A
prerrogativa de “eficiencia” passa então a representar a narrativa institucional que
coaduna-se aos preceitos neoliberais, uma vez que sua aplicação é destacada de uma perspectiva democrática como fundamento da estrutura universitária.
Em relação a políticas universitárias nacionais que possuem uma exigencia de execução local, o estudo de Antochevis (2023) apresentou considerações sobre o impacto da falta de fundamentação teórica crítica sobre as categorias
“Estado”, “Políticas públicas” e “Universidade” em artigos que apresentavam as
formas através das quais as
equipes de profissionais atuantes
na Assistência Estudantil executam a política, especificamente no âmbito da saúde mental dos universitários.
O PNAES é um
programa de apoio à permanencia, na
universidade, de estudantes
vindos de realidades vulnerabilizadas.
Implantado em 2010, o Decreto nº 7.234 (2010) garantia um recurso de financiamento específicamente designado para a atenção às necesidades de
garantía de permanencia qualificada de estudantes universitarios até a conclusão
do curso. Entretanto, tal programa não propunha quaisquer parámetros ou diretrizes para sua implantação, apenas indicando
algunas áreas principais a serem
atendidas, tais como apoio
pedagógico, alimentação, transporte e moradia estudantil, saúde integral do estudante,
entre outros. Essa
perspectiva, ao contrario do que acontece, por exemplo, com o SINAES e a prerrogativa da “eficiencia”, abre espaço para que cada universidade
desenvolva a implantação do
programa de acordo com suas próprias concepções
e limites executivos.
Ao analizar a produção recente a respeito da execução do PNAES, especialmente em relação à saúde mental do universitário, a autora infere que as dificuldades encontradas pelas equipes para uma execução mais efetiva de sua missão institucional está fundada justamente na falta de reflexão por esses grupos sobre quais as perspectivas de saúde mental, sobre sua compreensão acerca do papel das políticas públicas no desenvolvimento nacional, e principalmente sobre qual o sentido social da universidade. Essa falta de reflexão, dirá a autora, leva as gestões e as equipes executoras do programa a assumirem a lógica neoliberal, utilizando-se de parámetros burocráticos relacionados à ideia de eficiencia, meritocracia, etc. Sem crítica, as equipes acabam desenvolvendo suas atividades sem a possibilidade de perceber que essa lógica não irá dar conta de solucionar um problema que demandaria diversas dimensões de transformação social (Antochevis, p.81).
No âmbito de uma
política que tem planejamento
e gestão local, a análise
de Pieper (2021, p. 105) evoca o impacto da implantação da racionalidade
neoliberal no contexto de uma Universidade
pública no sul do Brasil, identificando um uso institucional da narrativa de sustentabilidade
ambiental limitado à perspectiva tecnocentrista. Analisando
criticamente as contradições
explicitadas em um conflito
socioambiental identificado no interior dessa instituição, e a forma como a gestão
local entendeu e respondeu às demandas surgidas a partir deste
conflito, a autora apresentou
como as inconsistências entre narrativas de sustentabilidade e a sua operacionalização se apresentam
no cotidiano das Universidades.
Essa dinâmica, segundo a autora, revela um conflito entre os discursos defendidos pela gestão universitária em relação ao tema da sustentabilidade e meio ambiente e a condução efetiva de políticas de licenciamento ambiental, o que reproduz a forma como a racionalidade neoliberal permeia a gestão das políticas institucionais, produzindo condutas contraditórias que apontam para o caráter inconciliável das perspectivas tecnocráticas com a manutenção de um compromisso social e emancipatório no cotidiano das Universidades (Pieper, 2021, p. 109).
Considerações finais
Compreendemos que a origem histórica das universidades brasileiras está atrelada à produção de uma conformação social que
sustenta a lógica do capitalismo dependente, de tal forma que a racionalidade neoliberal tem sido
o processo responsável pela
manutenção de relações e
formas sociais e institucionais
de garantia da contínua exploração dos países dependentes. Essa
dinámica impacta profundamente o desenvolvimento dos
sentidos e propósitos do Ensino Superior no Brasil.
Este processo não ocorre de forma isolada ou desconectada do panorama mais amplo das transformações políticas, econômicas e sociais pelas quais o Brasil tem passado e, nesse sentido, as Universidades Públicas no Brasil têm sido palco de importantes transformações nas últimas décadas, particularmente após a redemocratização. Entretanto, se este momento histórico representou o retorno da constituição política brasileira ao princípio da democracia, para o Ensino Superior o período marcou o início de um processo de crucial ataque ao mesmo princípio democrático, dentro das balizas formuladas pela lógica neoliberal. Amparamos essa consideração na observação de que, a despeito de volumosos e profundos esforços pela democratização do acesso e garantia de manutenção dos estudantes na Universidade, essa ainda não é uma realidade para a ampla maioria da população, especialmente para a população mais vulnerabilizada, no cenário da divisão de classes sociais identificadas no Brasil.
Assim, a realização de uma crítica à assunção pela Universidades das prerrogativas neoliberais, como pudemos defender, possui múltiplas dimensões, uma vez que comporta inserções da racionalidade neoliberal em diferentes dimensões do cotidiano universitário. Desta forma, acreditamos ser urgente não apenas a assunção de uma postura radicalmente democrática por parte das gestões universitárias - tarefa atacada ferozmente pela pressão do corporativismo empresarial que impõe a lógica neoliberal na burocracia estatal -, mas a atuação dos movimentos e de cada cidadão no despertar e no alimentar a consciência crítica da sociedade sobre a importância estratégica da concepção de uma universidade popular como um dos lastros da soberania nacional, em favor do povo e de sua dignidade.
Referências
Antochevis,
A. F. (2023). Atenção ao sofrimento psicológico do estudante universitário: considerações sobre fazeres e pensares
distanciados da reflexão sobre o sentido da Universidade. [Tesis
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[1] Psicóloga; doutoranda em Educação Ambiental pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação Ambiental (PPGEA) da
Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Mestre em
Estado, Gobierno y Políticas Públicas pela FLACSO/Brasil;
Mestre em Educação Ambiental pelo PPGEA – FURG. Pesquisadora do Observatório dos Conflitos Socioambientais
do Extremo Sul do Brasil e Leste do Uruguai – FURG.
Rio Grande, RS, Brasil. [email protected], https://orcid.org/0000-0001-7256-2596,
porcentagem de autoria 60%.
[2] Pedagogo; Professor Titular da Universidade
Federal de Rio Grande (FURG); Doutor
em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Mestre em Educação pela UFRGS. Coordenador e pesquisador do Observatório dos Conflitos Socioambientais do Extremo Sul do Brasil e
Leste do Uruguai – FURG. Rio Grande, RS, Brasil. [email protected], https://orcid.org/0000-0002-6075-1506,
porcentagem de autoria 40%.