WHAT TALENTED STUDENTS THINK ABOUT THE MENTORING OF THEIR POTENTIAL?
Janete Tonete Suárez15 Solange Muglia Wechsler16
Mentorear talentos oferece experiências significativas e supre necessidades educacionais especiais. O estudo analisou a percepção de 25 (F=13) estudantes de 8º e 9º anos, identificados por professores como talentosos, sobre seu interesse em participar de um programa de mentoria do talento. Utilizou-se uma Escala de Identificação de Talentos e um Questionário semiestruturado. Percebeu-se que os participantes se reconhecem como talentosos (42%); apreciariam ter um mentor (45%); se sentem motivados quando seu talento é reconhecido (39%) e creem que seu desempenho acadêmico seria ainda melhor caso participas| 93sem de um programa de mentoria (54%). Conclui-se que os alunos percebem a importância do desenvolvimento de seus talentos pela mentoria.
Palavras-Chave: Educação Especial; Altas Habilidades/Superdotação; Programa de Mentoria
Mentoring talents offers meaningful experiences and meets special educational needs. The study analyzed the perception of 25 (F = 13) 8th and 9th grade students, identified by teachers as talented, about their interest in participating in a talent mentoring program. A Talent Identification Scale and a questionnaire were used. It was noticed that the participants recognize themselves as talented (42%); would appreciate having a mentor (45%); feel motivated when their talent is recognized (39%) and believe that their academic performance would be even better if they participated in a mentoring program (54%). It concludes that students realize the importance of developing their talents by mentoring.
Keywords: Special education; High abilities/Giftedness; Mentoring Program
14 Autoras agradecem à Coordenação de Apoio à Pesquisas e Estudos do Ensino Superior (CAPES) o apoio por meio da bolsa
de pesquisa de doutoramento. 15 Doutoranda e mestre pela PUC Campinas em Psicologia como Profissão e Ciência. Graduada em Letras e Psicologia. Wechsler, S. M., & Suarez, J. T. (2016). Percepção de professores em cursos de formação. Revista de Psicologia PUCP. Vol. 34,
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16 Pós-doutora Torrance Center of Creative Studies, Mestre e doutora em Psicologia pela Universidade da Geórgia e graduada em Psicologia pela PUC-RJ. Docente da pós-graduação em Psicologia da PUC-Campinas. Wechsler et al. (2018). Creative and critical thinking: independent or overlapping componentes? Thinking skills and creativity, JCR, V. 27, p. 114-122. Wechsler et al. (2018). Adult temperamento styles: a network analysis of their relationship with the Big Five Personality Model. EJEP, p. 61-75. [email protected]
O conceito de mentoria não é recente. Suas primeiras referências remontam à Grécia Antiga, por volta do século VIII a.C., no poema épico de Homero “Odisséia, as aventuras de Ulisses”. Ulisses, antes de partir para lutar contra Tróia, confiou a supervisão e educação do filho ao seu amigo e companheiro chamado Mentor que acompanhou o jovem em seu processo de amadurecimento, autonomia e independência (Clasen & Clasen, 1997; Grybek, 1997). Desde então, o termo “mentor” tem figurado nos dicionários como sinônimo de conselheiro, sábio, protetor, e amigo para o desenvolvimento físico, social, espiritual e intelectual dos mais jovens (Grassinger, Porath & Ziegler, 2010; Vergara, 2005).
Tanto a literatura nacional quanto a internacional costumam confundir o conceito de mentoria com outros parecidos (preceptor, supervisor, tutor, coach), causando confusão e exigindo especificação (Armitage & Burnard, 1991; Bottil & Regol, 2008). Para Bragotto (2005), independe da proximidade de significados, nenhum é suficiente para expressar o real sentido do conceito definido como uma relação entre uma pessoa mais velha, um adulto mais experiente, que age como guia (mentor), e uma mais jovem, menos experiente (mentoreado, mentee, protégé) (Clasen & Clasen, 1997; Vergara, 2005).
No estudo de revisão bibliográfica de Crisp e Cruz (2009) mais de 500 definições de “mentoria” foram encontradas. Stoeger (2009) não vê problemas na variabilidade conceitual até porque uma definição única, fechada, não daria conta de especificar suas muitas facetas. A transferência de conhecimentos de uma forma de mentoria para outra ou de mentoria para mentoria de indivíduos com altas habilidades, por exemplo, seria difícil de se obter caso o conceito fosse conclusivo, fechado (Grassinger et al., 2010). Assim sendo,
o conceito de mentoria inclui um espectro desde uma relação díade, bem pessoal entre um mentor profissional e o aprendiz, até o e-mentoring (mentoria à distância por internet), sem relação pessoal, oferecido por pessoas leigas, não treinadas pedagogicamente, mas que permite comunicação entre participantes em sua conveniência e diferentes fusos horários (Ragins & Kram, 2007; Stoeger, 2009).
94 | O mentor que é alguém que atua como orientador e confidente de seu mentoreado, além de ser capaz de fazer uma crítica construtiva sem julgamento nocivo e criar um ambiente acolhedor no qual o mentoreado sinta que pode cometer erros sem perder a confiança (Kram, 1985; Vergara, 2005). Não tem que ser uma pessoa de destaque nem possuir titulação acadêmica. Podem ser os próprios pais, professores, membros da comunidade, estudantes mais velhos, instrutores em uma faculdade comunitária local, universidade ou mesmo um amigo (Erlich, 2010). Quando o interesse do mentoreado excede o campo de conhecimento do mentor e dos recursos habituais, é importante e necessário buscar mentoria fora do contexto da sala de aula e do lar, a fim de satisfazer suas necessidades educacionais específicas (Clasen & Clasen, 1997; Vergara, 2005).
A relação mentor versus mentoreado se faz a partir da identificação de profissionais experientes, professores de áreas específicas e estudantes mais velhos com interesses semelhantes aos dos mentoreados (Grybek, 1997). Nem sempre relação entre ambos é positiva. Expectativas de um em relação ao outro podem não se cumprir, e não é incomum que problemas pessoais interfiram (Frey e Noller, 1991). Entre outras expectativas que podem ser frustradas, encontra-se o abuso de poder, conflito de interesses, ritmo lento por parte do mentor levando à impaciência do aprendiz ou vice-versa. Esses aspectos, entre outros, acabam prejudicando a relação (Goff & Torrance, 1991). Portanto, é fundamental que o mentor esteja preparado para desafios que possam surgir desta relação.
A palavra “talento” refere-se às pessoas que apresentam facilidade para aprender, que dominam conceitos abstratos e apresentam traços distintos como curiosidade extrema, persistência, atenção concentrada, criatividade, imaginação, originalidade, boa memória, vocabulário avançado para a idade cronológica, liderança, etc. (Brasil, 2007). Há diferentes tipos de talento e o estudo destacou dois deles; o intelectual e o criativo. O primeiro refere-se às habilidades para compreender e solucionar problemas, fazer associações, rapidez do pensamento, senso crítico, boa memória, e etc. O segundo talento compreende pessoas que apresen-tam originalidade, imaginação, capacidade para resolver problemas de forma diferente e inovadora, etc. (Brasil, 2006b; Sternberg; Kaufmam, 2010; Renzulli, 2004; Wechsler, 2008).
A identificação de estudantes talentosos requer instrumentos que atendam aos padrões científicos internacionais propostos pela International Test Commission (2001), e também requeridos pelo Conselho Federal de Psicologia (2007, 2010). Não há instrumentos validados de identificação de estudantes talentosos no Brasil (Nakano & Siqueira, 2012). O que existe são diferentes formatos de ferramentas auxiliares como testes psicométricos, escalas, questionários, registros de observações, entrevistas etc. (Freeman; Güenther, 2000; Gagné & Güenther, 2012; Renzulli, 2004). Estes não fazem diagnósticos, são apenas instrumentos de rastreamento por fornecerem dados objetivos úteis para avaliação, intervenção e pesquisa.
Há ainda outros instrumentos que estão em processo de validação como a Bateria de Avaliação Intelectual e Criativa, forma adulto (BAICA). Trata-se de um instrumento fundamentado na teoria CHC da inteligência e avalia também a criatividade. A BAICA tem seus estudos de evidências de validade comprovados por Milian (2014); Milian e Wechsler (2018), Nakano, Campos, Wechsler e Milian (2015), e Wechsler et al. (no prelo). Diante de um instrumento que avalie as mesmas áreas da BAICA, mas a partir da percepção do professor, foi construída pelas autoras deste estudo a Escala de Identificação de Talentos por Professores, ITP (Suárez & Wechsler, no prelo), relatada entre os instrumentos. Os professores são fontes seguras no processo de identificação, especialmente, quando passam por um treinamento apropriado. Seu papel é fundamental pelo contato diário com o aluno. São, na verdade, os que mais percebem sinais de potencial superior (Maia-Pinto & Fleith, 2004; Wechsler; Blumen; Beldelman, 2018).
Nas últimas décadas, pesquisadores têm presenciado um extenso crescimento de programas de mentoria do talento e demonstrado interesse acerca de sua eficácia no ambiente escolar (Casey, 2000; DuBois & Karcher, 2005; Freeman, 1998; Shaughnessy & Neely, 1991). De modo geral, esses programas promovem tipos especializados de orientações na escolha de carreira acadêmica e profissional (Greene, 2003; Berger, 1990), além de ajudar sanar dúvidas que podem gerar frustração (Schatz, 1999). Avaliações realizadas nesses programas apontam para desempenho de habilidades de estudo, motivação e expressões criativas (Pleiss & Feldhusen, 1995), benefícios pelos contatos com pessoas de seus interesses, desempenho de autoestima, maturação e maior responsabilidade por terem um modelo de quem recebem constante apoio e encorajamento (Berger, 1990; Clasen & Clasen, 1997; Clark, 1995; Grybek, 1997).
Entre alguns dos estudos nacionais que destacam o papel da mentoria do talento estão os de Bragotto (2005), e os de Mundim (2015a; e 2015b). O primeiro investigou a influência e o perfil de mentores na produção literária de escritores brasileiros talentosos destacando aspectos como: competência profissional, conhecimento técnico, espírito criativo, elevados valores éticos, morais e afetividade. O segundo estudo analisou mulheres identificadas com excelência criativa, concluindo, entre outros aspectos, a presença de mentores entre os fatores que as auxiliaram. O terceiro estudo analisou as variáveis psicológicas e sociais que influenciam positivamente ou prejudicam a excelência criativa do sexo feminino, onde a mentoria foi citada como uma das variáveis de influência.
Enquanto não são muitos os estudos nacionais sobre a temática da mentoria do talento, são inúmeros os internacionais (Dimitriadis, 2012; Little, Kearney & Britner, 2010, Templin, 1999; Zorman, Rachmel & Bashan, 2016, entre outros). Trata-se de estudos com resultados que apontam para o aumento em habilidades de pesquisa, competência de trabalho, relações positivas com os mentores particularmente quando passavam tempo com eles e quando eram acessíveis, amigáveis e envolventes.
Quanto a percepção de professores, o estudo nacional de Wechsler e Suárez (2016), mostra que estes possuem muitas dúvidas sobre os conceitos de talento e superdotação e não se sentem preparados para atuar junto a estudantes talentosos. O fato se repete pelo menos no estudo internacional de Pierce, et al. (2007), onde os autores concluíram que embora experientes, os professores demonstram concepções limitadas sobre talento. Outros estudos que visam a percepção de professores são: os de Cakir e Kocabas (2016); Guimarães (2009), e Mira e Romanowski (2016). Assim que, o estudo buscou analisar a percepção de estudantes identificados por professores como talentosos, sobre o interesse em participar de um programa de mentoria do talento.
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Participaram do estudo dois grupos de pessoas. O primeiro formado por 25 estudantes (F=13), com idades entre 13 e 16 anos (M=14,28; DP=0,76), identificados como talentosos de uma turma de 8º ano (N=7) e de duas turmas de 9º anos (N=18) de uma escola particular localizada no interior do estado de Goiás. O segundo grupo foi formado por seis professores regentes (F=4) da mesma escola e turmas do primeiro grupo de participantes das disciplinas de português, matemática, ciências, educação artística, história e espanhol com faixa etária entre 26 e 51 anos (M=35,91; DP=1,41), docentes há pelo menos 5 anos.
Escala Identificação de Talentos por Professores – O instrumento foi construído pelas pesquisadoras e possui estudos de evidências de validade comprovados por Suárez & Wechsler (No prelo). Foi composto por 30 itens originais, positivos e negativos em formato Likert de 5 pontos que avalia as áreas: Compreensão Verbal; Pensamento Lógico; Rapidez de Raciocínio; Memória; Pensamento Criativo, e Pensamento ou Raciocínio Viso espacial. Sua construção teve como fundamento a literatura sobre as áreas de inteligência segundo a teoria de Cattell, Horn e Carroll – CHC, e estudos de Wechsler (Wechsler et al. 2010; Wechsler & Schelini, 2006; Wechsler, Vendramini & Schelini, 2007, etc.). Evidências de validade por critério externo foram obseradas pelo Teste Não Verbal de Raciocínio Infantil, TNVRI, e apresentou correlações entre as áreas da memória visual (r=0,372), Cognitivo Total (r=0,319) e Criatividade (r=0,336). O índice de fidedignidade foi 0,83 e o coeficiente de evidências de validade de conteúdo 0,82.
Questionário semiestruturado – instrumento formulado pelas autoras com cabeçalho para nome, idade, sexo, nível educacional de cada estudante e quatro questões semiabertas. Os temas das questões são os seguintes: 1. Percepção sobre a expectativa de participar de um programa de mentoria do talento; 2. Percepção sobre o auto reconhecimento do talento na área criativa e intelectual; 3. Percepção sobre ter um mentor para orientar quanto ao futuro profissional; 4. Situações que motivam o desenvolver do talento.
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Diante da autorização do diretor da escola para a realização da pesquisa registrada pelo Comitê de Ética, sob o Parecer: 2.543.716, foram feitos contatos primeiramente com os professores e a seguir com os alunos. Todos os professores das turmas de 8º e 9º anos foram convidados para uma palestra sobre temas relacionados à identificação e desenvolvimento do talento. Diante da aceitação de seis dos professores para participar do estudo, foi solicitado que assinassem o TCLE e preenchessem o instrumento ITP para cada um dos estudantes que consideravam talentosos na área intelectual e criativa. O instrumento ITP foi corrigido no sentido de saber quais as áreas mais apontadas pelos professores e quais os alunos indicados como talentosos. Tendo os nomes indicados pelos professores através do instrumento ITP, foram feitos os devidos contatos com os alunos de cada turma (N=7 do 8º ano; N=10 do 9º ano A; e N=7 do 9º ano B) e convidados a participar do estudo respondendo o questionário proposto após terem obtidos a assinatura dos pais/ responsáveis no TCLE. Para análise dos dados, utilizou-se o método de análise de conteúdo de Bardin.
Conforme o objetivo de identificar estudantes talentosos, a Tabela 1 descreve as médias e desvios padrões dos participantes por áreas e sexo.
Tabela 1. Média e desvio padrão dos subtestes da Escala ITP para alunos identificados como talentosos.
Subtestes Total Feminino Masculino
Escala ITP Média DP Média DP Média DP
ITPVerbal 3,68 0,13 3,90 0,23 3,85 0,18
O QUE PENSAM ESTUDANTES TALENTOSOS SOBRE A MENTORIA DE SEU POTENCIAL? | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
WHAT TALENTED STUDENTS THINK ABOUT THE MENTORING OF THEIR POTENTIAL? | ||||||
ITPEspac. | 3,66 | 0,06 | 3,67 | 0,21 | 3,97 | 0,17 |
ITPLóg. | 3,14 | 0,32 | 3,09 | 0,09 | 3,24 | 0,20 |
ITPRap.Rac. | 3,67 | 0,04 | 3,83 | 0,10 | 3,97 | 0,14 |
ITPMem.Vis. | 3,23 | 0,13 | 3,34 | 0,07 | 3,56 | 0,22 |
ITPCriat. | 3,17 | 0,08 | 3,41 | 0,12 | 3,44 | 0,06 |
ITP – Escala de Identificação do talento pelo professor; Espac. – Espacial; Lóg. – Lógico; Rap.Rac. – Rapidez de Raciocínio; Mem. Vis. – Memória Visual; Criat. – criatividade.
Fonte: elaboração própria
Conforme Tabela 1, dentre os subtestes da ITP, o sexo feminino obteve média mais alta que os meninos na área verbal (M=3,90 DP=0,23) apenas. O sexo masculino sobressaiu-se em todas as demais áreas. A fim de saber se a diferença de médias obtidas na Escala ITP, quanto ao sexo, foi significativa, procedeu-se à Análise Univariada da Variância (ANOVA) concluindo não haver diferença significativa quanto ao sexo. As áreas identificadas pelos professores apresentam uma média total muito próxima cobrindo praticamente todas as áreas de trabalho coincidentes dos professores participantes que lecionam as disciplinas de português, matemática, ciências, educação artística, história e espanhol.
A seguir foi analisada a percepção dos estudantes sobre um programa de mentoria na escola conforme Tabela 2.
Tabela 2. Percepção sobre um programa de mentoria na escola
Respostas F %
Ajudaria melhorar o desempenho acadêmico, valorizaria, incentivaria e desenvolveria outros talentos Teria orientação sobre que área escolher e o que fazer no futuro | 45 14 | 54 17 | | 97 |
---|---|---|---|
A escola já se importa com a gente através de projetos que reconhecem nossos talentos (entrega de medalhas, feira de ciências, olimpíadas, concursos, certificados de honra ao mérito, show de talentos) | 9 | 11 | |
Seria mais motivado. | 8 | 10 | |
Outras respostas. | 7 | 8 | |
Total | 83 | 100 |
Fonte: elaboração própria
Quanto ao número de respostas para cada questão, considerando que se trata de um questionário semiestruturado, os alunos poderiam citar quantas respostas quisessem para cada pergunta. Dessa forma,
o número de respostas em cada uma das questões não coincide com o número de participantes. A Tabela 2 destaca que a grande maioria dos participantes considera um programa de mentoria do talento com o propósito de ajudá-los a melhorar o desempenho na escola. Este aspecto é importante pelo fato de que o estudo foi feito com alunos considerados talentosos, ou seja, embora reconhecidos como tais, há interesse em progredir ainda mais no contexto acadêmico.
Os participantes consideraram também, que o programa de mentoria pode contribuir no processo de orientação de áreas a serem escolhidas para atuação profissional no futuro. A orientação de carreiras é uma das duas funções da mentoria, a outra se refere à função psicossocial (Vergara, 2005). A segunda está relacionada ao aspecto psicossocial, que está diretamente ligado aos outros dois aspectos citados pelos estudantes: a melhoria em outros aspectos da vida e motivação. É importante destacar ainda que vários estudantes pontuaram a questão de reconhecer que a escola já tem feito um trabalho de valorização do talento por meio de projetos, entrega de medalhas, feira de ciências, olimpíadas, concursos, certificados de honra ao mérito, e ainda show de talentos. Por sua vez, seria importante analisar se há, na mesma intensidade, interesse da escola em desenvolver talentos o que é diferente de reconhecê-los.
Na sequência, o estudo buscou avaliar o autoreconhecimento dos participantes sobre seu próprio talento, na Tabela 3.
Tabela 3. Percepção sobre o auto reconhecimento do talento
Respostas F %
Sim, sou talentoso: aprendo rápido; converso bem; faço várias coisas; tenho facilidade para criar; as pessoas dizem que sou inteligente; escrevo bem. | 19 | 42 |
---|---|---|
Não me considero talentoso(a); sou normal. | 11 | 25 |
Sou mais esforçado que talentoso, preciso estudar muito | 6 | 13 |
Depende da área; sou talentoso(a) somente na área criativa; sou talentoso somente na área intelectual. | 4 | 9 |
Outras respostas. | 5 | 11 |
Total | 45 | 100 |
Fonte: elaboração própria
Sobre o autoreconhecimento do talento no contexto escolar e mais especificamente nas áreas criativa e intelectual, descrito na Tabela 3, foi possível verificar que a maioria dos participantes se reconhece como talentoso e oferece justificativas para comprovar o talento. Entre elas, consideram que aprender rápido, conversar bem, no sentido de articular um bom diálogo, fazer diferentes atividades, ter facilidade para criar, e escrever bem, estão entre características de estudantes talentosos (Brasil, 2007; Sternberg; Kaufmam, 2010). As três outras respostas estão de certa forma interligadas, compostas daqueles que não se consideram talentosos, mas normal, ou esforçado, motivo de ser reconhecido como talentoso especialmente por estudar bastante. Há ainda os que se consideram talentosos em certas áreas apenas, provavelmente pelo nível de dificuldade que enfrentam em algumas áreas e outras não.
98 | É preciso destacar que a busca pela normalidade por parte de um estudante talentoso ou com características de altas habilidades, coincide com o desejo de se parecer com os demais colegas, de ser incluído, de não parecer esquisito diante dos diversos mitos construídos em relação à esta população (Renzulli, 2004; Gagné & Güenter, 2012). Foi ainda considerado importante conhecer a percepção dos participantes sobre ter um professor como mentor.
Tabela 4. Percepção sobre ter um mentor
Respostas F %
Sim, seria muito importante ter um mentor; teria alguém para conversar sobre dificuldades, abrir novos horizontes, auxiliar em várias questões, ficar mais esperto. | 35 | 45 |
---|---|---|
Teria um estímulo para estudar e aprender mais por receber acompanhamento. | 13 | 17 |
Orientaria quanto ao futuro, carreira profissional, muitos de nós não sabe o que fazer. | 8 | 11 |
Toda ajuda é bem-vinda; as pessoas crescem quando recebem ajuda. | 8 | 11 |
Outras respostas. | 12 | 16 |
Total | 76 | 100 |
Fonte: elaboração própria
Todos os participantes consideraram importante ou muito importante ter um mentor para acompanhá-lo no contexto escolar conforme a Tabela 4. As respostas foram divididas, no entanto, mais para explicar as razões por que o aluno considera importante ter um mentor. Em primeiro lugar o mentor atuaria no sentido de suprir a falta de alguém para conversar sobre dificuldades, ampliar a visão do estudante, ser pontual no sentido de resolver problemas não apenas orientar, e deixar o estudante mais esperto, provavelmente, no sentido de saber que há alguém a quem deveria dar explicações. Os demais aspectos incluem outros benefícios de se ter um mentor; tópicos que ressaltam a segunda função da mentoria que é a psicossocial (Clasen & Clasen, 1997; Kram, 1985). As pesquisadoras procuraram ainda saber que situações contribuem para a motivação da expressão do talento por meio da Tabela 5.
Tabela 5. Situações que o motivam a desenvolver seu talento
Respostas F %
Quando a escola, no papel dos professores e os familiares incentivam, elogiam e motivam | 26 | 39 |
seja por meio de medalhas, palavras ou exigências. | ||
Quando o professor muda o jeito de falar, sendo mais brincalhão, variando a forma de | 12 | 18 |
ensinar e utilizando outro ambiente e recursos de ensino como documentários. | ||
Pensar no futuro, quando penso em ser um profissional bem-sucedido. | 9 | 13 |
Estudar, ler livros, aprender novas coisas como músicas e instrumentos musicais. | 7 | 11 |
Outras respostas | 13 | 19 |
Total | 67 | 100 |
Fonte: elaboração própria
De acordo com a Tabela 5, é possível afirmar que as situações mais motivadoras listadas pelos estudantes talentosos não são exigências complexas e fora do alcance de todo professor e da família desses estudantes. Outrossim, variar a forma de ensinar fazendo uso dos mais diversos recursos disponíveis são aspectos que deveriam fazer parte das ações de todo docente.
| 99 Programas de mentoria do talento confirmam que a mentoria é uma experiência ímpar tanto na vida de estudantes talentosos quanto de mentores (Dimitriadis, 2012; Little, Kearney & Britner, 2010, Zorman, Rachmel & Bashan, 2016). Permite que estudantes talentosos tenham a oportunidade de ver aplicações práticas em seu campo de interesse e oferecer a profundidade e o desafio que almejam. Não se trata de um relacionamento comum. Ao contrário, requer compromisso, diálogo, interesse e propósitos de ambas as partes com a inúmeras oportunidades de crescimento, amadurecimento, modelo de relacionamento significativo, propostas de desafios e superações.
A articulação do tema destaca a necessidade de tornar o ensino-aprendizagem do estudante talentoso mais significativo, prazeroso e dinâmico já que é possível conhecer seus interesses. Por exemplo, o interesse desses estudantes por um melhor desempenho na vida acadêmica coincide com características próprias desta população de curiosidade extrema, persistência, boa memória, liderança, etc. (Brasil, 2007). Coincide também o aspecto de que esses estudantes possuem uma boa autoestima a qual implica, entre outros aspectos, reconhecer seu próprio talento, saber que sabem, ou ainda saber que não sabem e buscar o conhecimento necessário.
Quanto ao interesse dos estudantes identificados como talentosos em ter um mentor, foi importante verificar, sem exceção, que todos os estudantes apreciariam esta figura em sua vida acadêmica. Ou seja, existe a clara noção dos estudantes de que não possuem tudo, que não sabem tudo, e que acima de tudo estão dispostos a progredir com ajuda de alguém sensível às suas necessidades especiais que não são apenas educacionais. O professor tem o privilégio de poder ser alguém que faz muito mais do que apenas ensinar conteúdo, mas ser amigo, confidente, conselheiro, modelo, e etc. (Berger, 1990; Freeman, 1998).
Finalmente, ao analisar os motivos que ajudam ou contribuem para a expressão do talento de estudantes identificados como talentosos, verificou-se o papel da família e dos professores que são fundamentais, ou seja, quando estas figuras são representativas, há um reconhecimento de apreciação. Por sua vez, o professor tem em suas mãos o poder de se tornar alguém apreciado ou não pela forma com que dirige suas aulas. Ou seja, aulas cansativas, mal preparadas, não dinâmicas e monótonas, tendem inclusive a desmotivar estudantes talentosos que supostamente têm o potencial para o aprendizado, mas perdem o interesse.
Embora o estudo tenha obtido informações importantes sobre o que pensam estudantes talentosos em relação a possibilidades de ser-lhes oferecido um programa de mentoria, há limitações. Por exemplo, procurar saber se esses estudantes gostariam de escolher seus próprios mentores, se estariam dispostos a seguir horários fixos de atendimento junto ao mentor, etc. e deixando tais sugestões para futuros estudos. Outras limitações referem-se ao tipo de escola, somente particular, podendo ser ampliada para escola pública, somente com estudantes identificados como talentosos, podendo ser ampliado também para estudantes identificados como não talentosos.
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Fecha de Recepción: 24/08/2018 Fecha de Aceptación: 27/11/2018
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